sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

PREÂMBULO PARA CIDADES IMPOSSÍVEIS:

POR UMA GEOGRAFIA OUTRA


De quantas cidades precisaríamos para caber num texto? Uma CIDADE só não cabe no poema. Baudelaire pensou escrevê-la, ou pintá-la, em "Sonho Parisiense". Desenhou um palácio ilimitado, cheio de fontes e cascatas, babel de umbrais e colunatas:

“Quando meus olhos eu abri,
o horror surgiu numa visão,
e na minha alma eis que senti,
o gume agudo da aflição”

Nota-se que a cidade não cabe num sonho. Muito menos numa equação:

LISBOA – PESSOA
DUBLIN – JOYCE
ITABIRA – DRUMMOND
HAVANA – LEZAMA LIMA
BUENOS AIRES – BORGES
SALVADOR - JORGE AMADO
RIO DE JANEIRO - MACHADO DE ASSIS

São cidades que só encontram sua justa medida no des-limite da palavra. E aí já não sabemos o que veio antes, se foi o poeta ou a cidade. Pois a geografia desenhada aqui é bem outra, e seus guias turísticos talvez não nos levem a lugar outro que não a cidade de cada um. Talvez digam que os mapas, por vontade de precisão, agora inúteis, tornaram-se tão grandes quanto a própria cidade que pretendem representar. No fim, a maior cidade é aquela que cabe na palma da nossa mão, o que ainda não esclarece nada. Waly Salomão, o maior carioca de todos os filhos de Jequié, diria:

“Conheço o Rio de Janeiro
como a palma da minha mão
cujos traços desconheço”

Para dar a conhecê-la não basta visitar a cidade, é preciso escrevê-la, de preferência com o corpo (os mais espertos diriam: escondê-la), afinal de contas, como dizia Leminski, poeta que conhecia Curitiba com a palma da sua pica: “uma vida é muito curta para que se saiba de cor mais de uma cidade”. Dalton Trevisan cantou a sua: “Curitiba é apenas um assobio com dois dedos na língua”. Também vou cantar a minha:

“Conheci União da Vitória
com a sola do meu sapato,
já subi o Morro do Cristo,
já desci o Iguaçu de barco,
Só não descobri ainda
Algum vestígio que em mim anuncie
Um traço de sangue polaco”

Uma cidade, no fim das contas, não é mais que um punhado de gente (divididos em famas e cronópios), ruas, placas, signos e citações. Existe porque é tão provável quanto a Rimini, que Fellini reinventou nas telas do cinema. Não, a cidade não cabe no Texto, assim como o Poeta nela e nele não cabe. Que venham seus estranhos habitantes!


c. moreira

Um comentário:

Anônimo disse...

IMAGINAR É CHEGAR AONDE SE QUER, E NÃO AONDE SE PODE!