segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Macondo

Em Macondo, eu e Amaranta bordamos na varanda aguardando notícias do coronel Aureliano Buendía. Rebecca fica a costurar vestidos. Sinto o cheiro dos caramelos de Úrsula que vêm da cozinha.
Às cinco da tarde todos os relógios cucos tocam uma melodia mecânica.
José Arcadio Buendía desenhou essa cidade de tal maneira que nenhuma casa toma mais ou menos sol do que outra. Pobrezinho, enlouquecido, hoje fica atado ao castanheiro do quintal.
Ah, Aureliano, por que tantas guerras? Volte meu querido, deixo seu café amargo sempre pronto a lhe esperar. Não me importo com as mulheres que passam por sua rede de campanha. Sei que voltará à Macondo para fazer peixinhos de ouro, derretê-los e repetir tudo infinitamente. Como a mortalha que Amaranta tece. Desmancha-a, pensando que com isso adiará a morte.
Ficamos na varanda. Macondo é uma varanda numa tarde fresca, imprescindível que paire o silêncio.
Onde moro? Ah, andei pelo mundo. Não moro nesta cidade provinciana e de mentalidade medíocre. Moro em Macondo. O que faço? Apenas esperar por meu Aureliano.

domingo, 28 de dezembro de 2008

(281208)

Um mundo, nem tão paralelo assim.


-Dessa noite não passa!
A formiga desvairada corre contra o tempo.
Se pinta.
Se enrosca no seu vestidinho branco.
Enfeita o vaso com retalhos de flores coloridas.
Na vitrola, o som de uma balada conhecida.
Acompanhada de doces senta a janela na espera... a espera... desespera.
A lua gorducha inflama-se de vergonha por ela.

No parapeito estreito do cortiço a pequena formiga resmunga ao vento... que a colônia cresceu demais... que as ruas mudaram para um tom de verde desconhecido, talvez concreto. Boas almas não gostam de concreto. Lá longe, absorvida pelas lembranças, suspira com orgulho por conseguir conquistar a amizade do gato, do rato, da coruja “zolhuda”. Solta um riso abobalhado, pois lembra que não andou na fila nos últimos tempos.
E numa reza quase inaudível, agradece aos pequenos grilos celestiais, por seu formigueiro não ter sido destruído por nenhum ser egoísta.

E quando o sono desnudo, quase a carrega para outros mundos percebe as luzes...
- As luzes!! Que alegria!!

Celebrando a chegada de um novo ano!


Nane Pereira

sábado, 20 de dezembro de 2008

Pela estrada

Eu estava em um daqueles momentos em que é mais saudável não tentar pensar demais. Como quando se acaba de acordar, sem conseguir reconhecer o próprio quarto. Ou sem conseguir saber se é mesmo o próprio quarto ou um quartinho de hotel em qualquer outro lugar do mundo. Aquela confusão mental confortável, as coisas começam a flutuar, o ar fica rarefeito e tudo parece meio borrado. Assim como na estrada, quando todas as placas pareciam borradas na madrugada, em meio ao meu sono induzido. Então eu só cheguei aqui, pisando cautelosamente nesse solo desconhecido e não sei dizer se consegui me instalar por conta própria ou se fui gentilmente carregada. O fato é que agora estou aqui, seja lá onde for. Não é culpa minha, na verdade. Do jeito que eu sou você não me veria usando drogas nem em um milhão de anos. O caso é que eu não posso entrar em um carro que já fico tonta e se permanecer nele em movimento por mais de 20 minutos, a possibilidade de devolver qualquer coisa que tenha comido nas últimas horas é grande. Então sou obrigada a tomar uns remedinhos que fazem dormir. É como num sonho, no qual não se pode descansar e nem acordar por vontade própria. Sons externos, vindos da realidade misturam-se com as sinfonias do lado fantasioso, assim como as poucas imagens captadas da dimensão tangível, que se mesclam com as cores improváveis do meu torpor consciente.
                Faz algum tempo que não vejo motivos para lutar contra isso. Foi uma das coisas que me mostrou que, às vezes, a viagem pode ser melhor que o destino. Mesmo que nada daquilo seja necessariamente real. É só uma questão de ponto de vista, na verdade. Não vejo o ar ou a gravidade, mas eles são reais. Vejo muito nos meus sonhos, mas de certa forma, eles nem poderiam ser cogitados como reais. Não é como se eu me importasse com isso.
                O que importa é que aqui estou eu, em uma cidade provavelmente desconhecida, que por acaso não sei qual é. É engraçado dizer que tudo correu como o planejado quando não há planos, mas não há nada possivelmente mais satisfatório que isso. Outra coisa também satisfatória é poder livrar-se dos nomes e dos conceitos previamente formados sobre os lugares. Tem jeito melhor de conhecer um lugar do que andar por ele sem direção ou obrigação? Um cartão postal, cenas em alguns filmes e seriados, documentários, fotos, relatos de amigos e conhecidos. Coisas que podem te dar várias impressões sobre um lugar, mas nada vai te dar a noção exata desse lugar, a noção que você deve ter. No momento em que seus pés estiverem lá, assim como os meus estão aqui, (mesmo que eu ainda não saiba que “aqui” é esse) só os seus olhos, ouvidos e tudo mais que você for capaz de captar te darão a entender e definir onde você está e que lembranças você levará daí. Quer dizer, as pessoas e coisas que você verá, conhecerá e nas quais se demorará definitivamente não estão nos guiais turísticos. Não teria como, pois não há como fazer com que um grande número de pessoas repare nas mesmas coisas (ainda bem), com exceção de grandes proezas da natureza e coisas que foram feitas especialmente para serem fotografadas, apontadas e celebradas. E as coisas que realmente importam só são daquele jeito em um momento. Ou seja, agora enquanto dou os meus passos decididos rumo à indecisão de que esquina virar, só essas pessoas passam por aqui. Elas podem ter os mesmos horários e trajetos, mas quando mais elas estarão exatamente no mesmo lugar que estão agora, no mesmo horário? Nada se repete, nunca. Essas coisas são únicas. Geralmente inúteis, mas isso tudo só serve para sublinhar a minha teoria de que essa cidade não precisa ser o que ela é, o que dizem que ela deve ser, ou o que seus cartões postais mostram. E sim o que os meus olhos verem, o que eu sentir aqui e especialmente o que eu precisar dela nesse momento. Eu posso te contar em todos os detalhes do que eu fiz, onde eu estive e o que eu senti. Mas é impossível que isso aconteça pra você ou pra qualquer outra pessoa. Do jeito que eu senti, ela é a minha cidade. E tão impossível, que nem eu mesma poderia vê-la outra vez, nem que eu quisesse e planejasse tudo (já disse que planejar é inútil?). Logo, não pode ser que esse lugar leve seu nome original e eu nem me esforço pra ficar sabendo qual é. Nas minhas anotações, ele leva o nome mais apropriado ao que me proporcionou. E perdido no mapa, não há caminho de volta, pois ninguém poderia me dizer onde fica um lugar para o qual eu inventei um novo nome e cujas referências que eu poderia dar não levam a um possível reconhecimento.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Winter in Chicago

It doesn’t seem that cold
And as the day begins
Small tiny dazzling-shinning snow stars to fall
Slowly, patiently
As there’s no rush no hurries
And falls, on and on
Slowly
It is Monday
A blues moon-day
With all the sour that a Monday can have
And snows
But I don’t feel cold or sad or bad
I don’t know what sort of feeling is this
As I walk in the snowed sidewalks
Feet getting wet, step by step
With my books, also getting wet
As the snow falls, on and on
Sometimes I miss home
Sometimes I don’t
As a matter of a poetic fact
I feel warm in the snow
In the freezing streets of Hyde Park
And some sort of empathy, pitifully
Grows up inside me, slowly
Exactly as the falling snow
And the time passes
Step by step through nowhere
Through nowhen
Just like the snow
Some felling grows up
And accumulates inside me.
_____________
Comecando com um poemeto que cometi em ingles.
ps. deslizes no ingles, please! let me know.
PREÂMBULO PARA CIDADES IMPOSSÍVEIS:

POR UMA GEOGRAFIA OUTRA


De quantas cidades precisaríamos para caber num texto? Uma CIDADE só não cabe no poema. Baudelaire pensou escrevê-la, ou pintá-la, em "Sonho Parisiense". Desenhou um palácio ilimitado, cheio de fontes e cascatas, babel de umbrais e colunatas:

“Quando meus olhos eu abri,
o horror surgiu numa visão,
e na minha alma eis que senti,
o gume agudo da aflição”

Nota-se que a cidade não cabe num sonho. Muito menos numa equação:

LISBOA – PESSOA
DUBLIN – JOYCE
ITABIRA – DRUMMOND
HAVANA – LEZAMA LIMA
BUENOS AIRES – BORGES
SALVADOR - JORGE AMADO
RIO DE JANEIRO - MACHADO DE ASSIS

São cidades que só encontram sua justa medida no des-limite da palavra. E aí já não sabemos o que veio antes, se foi o poeta ou a cidade. Pois a geografia desenhada aqui é bem outra, e seus guias turísticos talvez não nos levem a lugar outro que não a cidade de cada um. Talvez digam que os mapas, por vontade de precisão, agora inúteis, tornaram-se tão grandes quanto a própria cidade que pretendem representar. No fim, a maior cidade é aquela que cabe na palma da nossa mão, o que ainda não esclarece nada. Waly Salomão, o maior carioca de todos os filhos de Jequié, diria:

“Conheço o Rio de Janeiro
como a palma da minha mão
cujos traços desconheço”

Para dar a conhecê-la não basta visitar a cidade, é preciso escrevê-la, de preferência com o corpo (os mais espertos diriam: escondê-la), afinal de contas, como dizia Leminski, poeta que conhecia Curitiba com a palma da sua pica: “uma vida é muito curta para que se saiba de cor mais de uma cidade”. Dalton Trevisan cantou a sua: “Curitiba é apenas um assobio com dois dedos na língua”. Também vou cantar a minha:

“Conheci União da Vitória
com a sola do meu sapato,
já subi o Morro do Cristo,
já desci o Iguaçu de barco,
Só não descobri ainda
Algum vestígio que em mim anuncie
Um traço de sangue polaco”

Uma cidade, no fim das contas, não é mais que um punhado de gente (divididos em famas e cronópios), ruas, placas, signos e citações. Existe porque é tão provável quanto a Rimini, que Fellini reinventou nas telas do cinema. Não, a cidade não cabe no Texto, assim como o Poeta nela e nele não cabe. Que venham seus estranhos habitantes!


c. moreira