terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Em busca da possibilidade...


‘E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana’. (Drummond)

Cidades Impossíveis Cidades. Impossível não carregar junto conosco uma herança do nosso berço esplêndido. E o meu berço esplêndido é Caçador. Isso mesmo, Caçador. Já estou acostumada com as reações. Quanto mais longe vou, mais estranha fica a face de quem me pergunta de onde eu sou. O engraçado é que não foi Caçador quem me acolheu no momento em que comecei a dar os meus primeiros passos sozinha. Os passos da independência, do início da construção do meu futuro. Foi em uma cidade gêmea, a quase cem quilômetros dali que ‘fui encontrar o mundo’, como bem disse o pai de Sérgio, no livro O Ateneu. E com muita coragem para a luta eu vivi nesta cidade, Porto-União-da-Vitória os mais inesquecíveis anos da minha vida. Amigos, experiências, dificuldades, mancadas, alegrias... Tudo eu vivi lá. E trago comigo as maravilhosas lembranças, bem como as verdadeiras amizades. E Caçador ficou distante. Tão distante de mim que até minha carteira de identidade, com segunda via expedida em Porto União, já não me fazia lembrar dela. Foram quatro anos. E, de repente, Porto-União-da-Vitória ficou pequena para mim. E eu já não cabia em Caçador. Aventurei-me por Calmon, com o sonho de alfabetizar em Português e Inglês doces criancinhas que moravam em uma cidade tão pequenina, mas tão hospitaleira. Ficava imaginando eles chegando em casa falando: Hi dad, hi mom, I want a coke and a hot-dog. O sonho foi interrompido. Ainda bem, senão estariam obesos. Calmon ficou minúsculo em menos de dois meses. A capital me chamava. A Ilha gritava por mim. As cidades são impossíveis. Os sonhos não. E menor que meu sonho não posso ser, já dizia Lindolf Bell, um poeta amante de sua cidade. Fui na sexta, segunda estava trabalhando. E esta cidade, maravilhosa por si só, me adoeceu, me fez sentir náuseas, febres, dores musculares. Era muito impossível para mim. Lá estava eu: conhecia um par de pessoas, tinha um trabalho de 20 horas, onde, em um dia trabalhava oito horas/aula e pegava dez ônibus. Fiquei doente, a doença da cidade grande: Yes, I’m a workaholic! Sim, isso mesmo. Sou uma workaholic em tratamento. Em dois anos, sempre com carga horária lotada, inclusive nos finais de semana, o trabalho me viciou. Tanto que meu tempo livre foi para estudar para concursos públicos. Sim, estou assumindo o terceiro. Sim, não quis morar em Itapema, no sossego da doce Itapema. Água-de-coco, beira do mar, sossego. Cruzes!! Mas como disse, estou em tratamento. Consultei algumas pessoas confiáveis, uma perguntinha aqui, outra dúvida acolá e, em um momento de depressão profunda, me tranquei em um quarto estranho e pari um projeto para o Mestrado em três dias. Deu certo. É o início do meu tratamento. E o início da realização de mais um objetivo, ainda que seja o trabalho que esteja me motivando. As cidades nos causam traumas e realizações. Somos afetados por elas em nosso dia-a-dia. E não nos damos conta disso. De Caçador eu trago em mim esse sotaque arrastado, quadrado. Esse erre puxado que às vezes escapa entre os manés. Como é difícil pronunciar barbershop! Barrrberrrrshop! É isso mesmo! Sou de Caçadorrrr! E lá a gente fala assim. Em Nova Yorrrk talvez não. E em Chicago?? Enfim, hoje a dor me toma quando volto a Caçador de férias. É um cenário morto, onde minha família ainda vive. E continuam achando o melhor lugar do mundo. Para mim é pequena. E fria. E triste. E como eu fui feliz lá! E Raul Pompéia é genial quando nos diz no ainda mesmo romance citado:

“Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.

Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo - a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.”

A paisagem é a mesma em cada Cidade Impossível. Nossos sonhos é que mudam. E os dias melhores sempre ficarão para trás, não importa em qual lado você esteja na estrada da vida. Depois de tanta estrada, eu ainda não aprendi a criar raízes. Uma cidade é realmente impossível para mim. Preciso de várias. Caçador, Porto União, União da Vitória, Calmon, Itapema, Floripa, São José e agora Biguaçu chamando por mim. E em cada cidade impossível, uma história possível, com personagens e traumas novos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ah, os letrados...em poucos lugares encontramos textos assim:
que nos reconhecemos, que nos emocionamos...Um beijo pra todos vcs dessas cidades impossíveis, e possíves. Ju